O conceito de pessoa da Antropologia Crista

02/05/2012 00:00

Da noção de sagrado e de criatura, feita à imagem de Deus, segundo o primeiro testamento da Bíblia, resultou também uma original concepção do ser humano no pensamento cristão. O ser humano, em vez de significar algo, como em outras culturas antigas, recebeu no ambiente cristão o entendimento de ser “alguém”. Não é “algo”, mas é “alguém”. Tal conceito foi decorrência da noção de criatura, por parte de Deus. Constituída em “alguém”, a pessoa humana passaria a ser assimilada como convidada especial a participar dos planos de Deus.
A concepção do ser humano como “pessoa” é originalmente cristã. Quando usamos o termo “pessoa” no âmbito da linguagem familiar, geralmente a identificamos com maturidade e responsabilidade. É quase como dizer “está ficando gente”. Representa, pois, uma aproximação com bom comportamento. Todavia, pensar o conceito de pessoa apenas pelo aspecto ético-moral, seria empobrecer muito seu significado. Por isto, torna-se importante a recuperação da origem etimológica e semântica da palavra “pessoa”. O conceito mais antigo relaciona “pessoa” a “máscara”.
Os etruscos, um dos povos que formaram a cultura latina, usavam há mil e quinhentos anos antes de Cristo, o termo PERSHU para designar as máscaras de modelos usados em representações teatrais. No ambiente grego, cerca de quinhentos anos antes de Cristo, a conotação dada ao termo máscara equivalia a rosto ou cara, nas representações que os atores faziam de outros personagens. Na cultura grega, no entanto, o ser humano não era valorizado pela sua dimensão corpórea, mas pelo seu espírito, ou seja, pelas idéias poderiam levar a estabelecer contatos com o divino, com o perfeito e com o eterno. Por isso a preocupação grega não girava em torno dos seres humanos, mas em torno do que fosse universal. O ser individualizado não representava foco de maiores interesses de entendimento.
O verbo latino PERSONARE, muito próximo do termo “persona” e, também do verbo “ressonare” (= ser sonoro ou ressoar), faz lembrar o mesmo papel do ator que procura fazer ressoar no auditório o som imitado de quem representa. Mesmo neste quadro, o termo pessoa ficou associado à máscara. Como uma mesma máscara não se prestava para representar distintos personagens, a máscara passou a representar o papel ou um procedimento da pessoa que o ator procurava destacar através da imitação, quer fosse real ou fictícia.
Destes antecedentes todos, resultou uma conseqüência prática: uma pessoa é um alguém, real ou fictício, escondido atrás de uma máscara. Em outras palavras, trata-se da personalidade que se esconde atrás de cada rosto.
O Segundo Testamento aprofundou esta noção de boa relação com Deus, pois assimilou que esta honra era também uma graça concedida por Deus para fazer acontecer a “nova criação”.
Na concepção do Primeiro Testamento já havia sido salientado que o ser humano é um ser que dialoga com Deus e capaz de assumir responsabilidades através do dom que Deus oferecia. O ser humano era visto como um agente relacional de conversa. Nesta perspectiva o Segundo Testamento apresentou Jesus Cristo como um primoroso modelo desta relação de conversa com Deus. Tal noção evidenciou dois aspectos importantes: um ser humano é convidado por Deus a estabelecer relações de diálogo com outros seres humanos para se sentir ele mesmo.
Este duplo aspecto oferecia ao ser humano a condição de ser único. Portanto, um ser humano não é a mesma coisa do que as outras pessoas. Ainda q1ue o agir com os outros tenha em vista uma auto-realização, Deus apresenta um projeto para melhor viabilizar esta dupla fonte de realização. Aceitar o projeto de Deus não significaria, pois, negar-se a si mesmo, mas acolher uma mediação para melhores relações com os outros e, evidentemente, consigo mesmo. Dali também resultou a tríplice dimensão de abertura ao mundo, aos outros e a Deus. A salvação de uma pessoa não poderia acontecer sem simultâneo processo de salvação sócio-política e do ambiente macro-social. Bem sabemos que num momento histórico relativamente recente, esta noção passou a ser assimilada como salvação individual da própria alma.
Para nossas ponderações, muda alguma coisa se damos uma ou outra conotação ao termo “pessoa”?
O pensamento moderno tende a usar mais o termo “indivíduo” do que o de “pessoa”, uma conotação mais ligada ao aspecto físico de um ser humano. Diversos pensadores cristãos como Mounier, Marcel e Maritain enfatizaram que o termo pessoa deve realçar sua capacidade de transcendência sobre o mundo: é capaz de estabelecer comunhão e ao mesmo tempo é livre e capaz de abrir-se a múltiplas formas de vida.
O pensamento moderno, por sua vez, ao dar ênfase ao termo indivíduo, justifica que ele, na verdade, não é algo original e genuíno e tampouco vive o que é especificamente seu, pois é mero fruto da socialização e das estruturas sociais, políticas, econômicas, educacionais, etc. Do empirismo inglês herdamos a noção de que, ao nascer, somos como uma folha em branco sobre a qual se escreve a história, boa ou má, segundo a educação. Na verdade, atualmente, tudo indica que uma pessoa se caracteriza por traços bem mais amplos e variados do que os da influência do meio social.
A conciliação destes enfoques não desvia certas polêmicas: mesmo que a declaração universal dos direitos humanos insista que todos os seres humanos são constituídos de dignidade, fica no ar a dúvida sobre que dignidade e que grau de dignidade.

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